Artigo de opinião de Nuno Calado, Wood Regulation & Sustainability Manager Sonae Arauco
No ano passado, só entre janeiro e outubro, arderam em Portugal quase 66 mil hectares de área florestal. De acordo com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, no período 2010-2019 arderam, em média, cerca de 136 mil hectares por ano.
Num ano marcado por uma crise de saúde pública global, o desafio de mantermos na agenda temas sazonalmente percecionados como não urgentes é ainda maior. Estes dados mostram que continua a ser necessário e iminente repensar tudo o que está a ser feito – e fazer diferente; fazer melhor; trazer a tecnologia e transformar a floresta num laboratório com vista a recolher dados que nos permitam maximizar a sua valorização.
A gestão da floresta e do fogo está longe de ter apenas um efeito mitigador nos incêndios: se abordada de forma estratégica e colaborativa, terá um efeito multiplicador na economia, na sociedade e no ambiente.
A floresta portuguesa mobiliza cerca de 24 mil empresas, sendo responsável por cerca de 100 mil empregos e por 10% das exportações portuguesas. Pela sua capacidade de aumentar a coesão territorial, por permitir incorporar valor a partir de matérias-primas produzidas localmente, e por assegurar relevantes serviços dos ecossistemas, a floresta nacional é um motor de desenvolvimento do país que pode ser potenciado.
Numa altura em que urge encontrar modelos de desenvolvimento sustentável, esta é, provavelmente, a melhor oportunidade para dedicar à floresta e aos seus agentes uma atenção com verdadeiro sentido de futuro – e sem mais adiamentos. A exploração sustentável destas áreas, ativos naturais com um papel fulcral na sobrevivência do planeta, tem de ser uma prioridade para todos.
Importa, por exemplo, olhar para o melhoramento florestal; estudar modelos de gestão e valorização florestal; e desenvolver e/ou adaptar à realidade portuguesa tecnologia para o conhecimento da floresta e para inovar no inventário florestal.
Nas últimas décadas, a área de pinhal bravo diminuiu cerca de 27%, devido, não só aos incêndios, pragas e doenças, mas também à baixa produtividade da espécie (em resultado de práticas de gestão ineficazes). Entramos num círculo vicioso – a baixa produtividade leva à falta de investimento, o que, por sua vez, aumenta o risco de incêndio e faz perigar toda a cadeia de valor. A investigação pode inverter a tendência através do desenvolvimento, da procura, e da posterior introdução no mercado, de espécies florestais mais produtivas, mais resilientes e mais adaptadas às alterações climáticas, e a cada contexto.
Importa também trabalhar no desenvolvimento de novos modelos de gestão que tenham como base as melhores metodologias/práticas para potenciar os ativos florestais. Esta necessidade é transversal, e inclui, por exemplo, a gestão de pinhais obtidos por regeneração natural ou os mais de 28 mil km de linhas aéreas de distribuição de energia elétrica presentes em espaços florestais, nomeadamente a gestão de vegetação das zonas de proteção e das faixas de gestão de combustível às linhas elétricas, numa perspetiva de redução de custos operacionais e da valorização das mesmas para os proprietários florestais.
Introduzindo tecnologia para aumentar o nosso conhecimento sobre a floresta, estaremos a permitir um melhor planeamento florestal. Com novas tecnologias de deteção remota, seremos capazes de recolher informação em áreas maiores, mais rapidamente, com menores custos. O processamento desses dados permitirá apoiar as tomadas de decisão. Embora já se utilizem no setor ferramentas digitais e sensores que permitem complementar as técnicas convencionais de recolha de informação florestal (como amostragem e medição de parcelas no terreno), estas carecem de uma análise, validação e de uma eventual adaptação à realidade da floresta portuguesa.
Em resumo, é este o nosso plano de ação no rePLANT, que junta 20 entidades públicas e privadas e envolve mais de 70 investigadores e técnicos até 2023. Através de um investimento de cerca de 6 milhões de euros, dinamizado pelo ForestWISE – Laboratório Colaborativo para Gestão Integrada da Floresta e do Fogo, do qual somos fundadores, vamos reinventar a gestão da floresta.
A realização do potencial da floresta depende da união de esforços entre fileiras, entre proprietários, entre prestadores de serviços, entre as empresas de base florestal e o Estado. Todos são necessários, e todos são bem-vindos. Cuidar das florestas é cuidar de um futuro sustentável para as próximas gerações.
In Público, 13 maio 2021